O objetivo desta publicação, materializada neste Livro e no Portal on line é de que, ambos em conexão, sirvam como meio literário pedagógico, informativo, de fácil acesso para educadores, leitores e pesquisadores do público em geral. A intenção é ampliar o conhecimento em relação a existência da Comunidade Quilombola da Pedra Branca - São Roque – Praia Grande | SC, situada na região do extremo sul catarinense e, principalmente, contextualizar e evidenciar o conflito existente entre a Comunidade Quilombola e o Estado Brasileiro, leia-se IBAMA e ICMBio, por conta da sobreposição dos parques nacionais - Aparados da Serra e Serra Geral às terras do território do quilombo desta comunidade.
O Livro Vol. 2 “entre tradições e liberdade: estratégias e luta pela terra”, traz as estratégias de luta como cultura geracional de pertencimento étnico nas diversas formas de resistência que a coletividade quilombola da Pedra Branca tem desenvolvido para garantir a sua permanência histórica, enquanto sujeitos de direitos constitucionais, a viver no local.
Este Livro diz respeito à Comunidade de Remanescentes do Quilombo que surgiu a partir da dinâmica social e territorial tecida nos limites das relações escravistas de domínio senhoral, aproximadamente em 1824, que se fixou entre as grotas que caracterizam a geografia local.
Esta comunidade se desenvolveu e estabeleceu sociabilidades próprias que, além de tantos significados reais, guarda a memória coletiva de seus antepassados que “fugiram” das fazendas de gado do Rio Grande do Sul, onde eram escravizados e, como resposta se aquilombaram neste local de difícil acesso, porém, de natureza farta, com água e terra fértil, que era o que eles precisavam para viver longe do escravismo. (LEITE, 2005, pág. 06).
Com a criação e instalação do parque, em sobreposição ao espaço quilombola, aconteceram profundas transformações que impuseram riscos concretos à reprodução física e cultural desta comunidade de quilombolas, pois a instalação da Unidade de Conservação – UCs, categoria de Proteção Integral – PI, Parque Nacional – PN, limitou a vida desta coletividade no local (LEITE, 2005, pág 06).
Pois, os Parques Nacionais, categoria de Unidades de Conservação do Grupo Proteção Integral, são espaços criados e implantados por legislação federal, conforme descreve o Art. 11, da Lei Nº 9985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC.
A criação dessas áreas tem por objetivo a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica, sendo também utilizadas para a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interação ambiental, de recreação e de turismo ecológico. Os Parques são de posse e domínio público, sendo que as áreas particulares que estiverem incluídas em seus limites territoriais, serão desapropriadas e indenizadas (BRASIL, 2000, pág. 05).
Acontece que, ao ser instituído estes tipos de espaços em áreas habitadas por comunidades quilombolas, instala-se um profundo conflito, pois os sujeitos quilombolas tem proteção constitucional diferenciada das populações comuns. Por isso, não cabe a modalidade de desapropriação com indenização, como normalmente o Poder Público encaminha nos casos de criação das UCs em áreas habitadas.
Neste sentido, a criação das Unidades de Conservação do Grupo Proteção Integral - Parque Nacional, em terra de quilombo, habitada por quilombolas, instala-se um conflito, pois, é inconcebível a separação/desapropriação de quilombolas do território do quilombo, território de origem, uma vez que, ali reside as histórias de lutas conectadas a dinâmica geográfica do local.
Pois, essas populações têm um modo de vida particular no qual envolve uma forte dependência dos ciclos naturais e que se traduz num tipo específico de relação homem-natureza, no qual, estes conhecimentos tradicionais estão inseridos no modo de agir e fazer que, por vezes, são transferidos de geração a geração por meio da oralidade e do pertencimento histórico na defesa simbólica e real daquele local (SANTILLI, 2005, pág. 98 -130). Nos dizeres de Rocha: “Na realidade não poderia existir um sistema de unidades de conservação que se exclui comunidades que representem a riqueza da diversidade humana e cultural do Brasil, uma vez que estas, em muito têm a contribuir com o processo de desenvolvimento do conceito e prática de sustentabilidade”. [...]. (ROCHA, 2006, pág. 137).
Ao conhecer a histórica da comunidade quilombola da Pedra Branca - São Roque, do Município de Praia Grande/SC e ver a forma como se mantém no território, nos faz compreender que esses locais guardam vínculos afetivos históricos desde a sua constituição. Tal relação está guardada na memória coletiva, no uso e cuidado da terra e na forma de defesa desta. (SANTILLI, 2005, pág. 138).
Analisando o contexto histórico e sócio - cultural do negro no Brasil, tendo como marco, o período pós abolição da escravatura, onde observa-se que somente com o advento da Constituição Federal de 1988, os remanescentes de quilombo passaram a ser identificados e reconhecidos como representantes da parcela significativa da população brasileira que é negra.
Assim, ao nascer o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Art. 68, bem como nos Arts. 215, 216 da CFRB/88, combinados com o Decreto Lei Federal 4887/2003, aos poucos, criou-se mecanismos jurídicos, a fim de garantir que o negro figurasse de forma efetiva como sujeito de direito histórico, podendo reivindicar para a sua coletividade a titulação das terras de quilombos, continuadamente habitadas por quilombolas.
Neste sentido, manter as terras de quilombos ocupadas por remanescentes de quilombo/quilombolas é, primeiramente, confirmar a existência destes, bem como, tornar obrigatório ao Estado brasileiro a fomentar a manutenção das manifestações e costumes culturais destes que representam uma grande parcela da população brasileira. (ROCHA, 2006, pág. 137).
Diante disso, nota-se que, desde a implantação do primeiro Parque Nacional Aparados da Serra, em 19591, os remanescentes do Quilombo da Pedra Branca-São Roque, municípios de Praia Grande (SC) e Mampituba (RS), passaram a enfrentar condições de vulnerabilidade, pois a Lei nº 9985/2000 (SNUC) não acolheu os quilombolas nesta área e estes resistem vivendo e enfrentando diversas dificuldades para manter-se no local que é habitado desde o século XVIII pelos primeiros quilombolas, permanecendo até os dias de hoje por meio de seus descendentes.
1 Criado pelo Decreto n º 47.446 de 17 de dezembro de 1959, com nova relação à abrangência e aos limites, dados pelo Decreto n º 7.296, de 17 de março de 1972.