Formação da Comunidade São Roque
A Constituição da Comunidade de Remanescentes do Quilombo São Roque - Pedra Branca, Município de Praia Grande /SC
Grande objetivo da obra
O presente obra tem por objetivo descrever e analisar
a formação sócio-histórica da Comunidade de Remanescentes do Quilombo São Roque Pedra Branca e pretende identificar os fatores preponderantes que definem a identidade étnico-cultural dos membros desta comunidade.
Constituição dos Quilombos
A constituição dos quilombos no Brasil, foi ato ocorrido na vigência do sistema político escravocrata no período compreendido entre os séculos XVI e final do século XIX. Sendo que, após a abolição da escravatura, com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, muitos desses locais permaneceram habitados pelos ex-escravos, seguidos por seus descendentes e remanescentes que, mesmo diante da decretação do fim da escravidão, continuaram usando e ocupando o território, em que foi constituído o quilombo.
A comunidade São Roque
A comunidade São Roque localiza-se no extremo sul do Estado de Santa Catarina, Município de Praia Grande, limite norte do Estado do Rio Grande do Sul, Município de Mampituba. Geograficamente, o local se destaca pelas escarpas e rochas que dão contornos dos mais adversos, formando paisagens naturais de notável beleza, como os canyons, serras e a imponente Pedra Branca, referência para toda a região.
Como chegaram?
Da serra que desce os rios, desceram também os escravos que, no intuito de resistirem ao sistema que os escravizava, encontraram naquele local o abrigo e a possibilidade de construir e (re) constituir os costumes de sua identidade étnica. A fuga continha um duplo sentido: ao mesmo tempo em que rompia com o passado cativo, possibilitava o reencontro com a liberdade.
O abrigo
São Roque é um local que serviu de abrigo para os escravos fugitivos que aos poucos foram se agrupando naquele espaço.
Características geográficas
Com uma característica geográfica que lhe é peculiar o difícil acesso, tornou-se o lugar de liberdade, onde os primeiros escravos fugitivos que chegavam na Pedra Branca - São Roque puderam acolher os demais que, resistindo ao sistema político escravocrata, ali se fixaram e, passado o período oficial da escravidão, formaram a Comunidade.
A constituição da Comunidade de Remanescentes de Quilombo São Roque-Pedra Branca deu-se por meio das manifestações coletivas e individuais, em que, os próprios remanescentes do quilombo, que se auto identifica como tal, expressaram -se de forma oral e documental - como é o caso da elaboração e registro cartorial do Estatuto da Associação de Remanescentes de Quilombos São Roque-Pedra Branca - indicando seu sentimento de pertença, pois, se reconhecem no passado escravocrata, a sua matriz identitária, definindo-se como remanescentes de quilombo.
O Uso da Terra e a Ocupação Tradicional do Território
A escolha do espaço
A escolha e ocupação do espaço geográfico eram os fatores determinantes para a constituição do território - quilombo, pois, eram nestes locais, em que era possível aos escravos exercer a liberdade da mesma forma que somente ali se possibilitaria estabelecer mecanismos para a construção e reconstrução da identidade étnico-cultural fragmentada pelo processo escravocrata. Os escravos saídos da condição de cativos, transformavam o local ocupado em território quilombola de vivência coletiva, cujo símbolo que constituía a liberdade, constituía também a autonomia, a humanidade, a cidadania e, principalmente, o acesso à terra.
A dinâmica
A Comunidade de Remanescentes do Quilombo São Roque nasce a partir da dinâmica de um território tecido socialmente no limite da relação senhor versus escravo que, diante das dificuldades impostas pela geografia da localidade, desenvolveram e cultivaram sociabilidades próprias que os mantêm no local até os tempos de hoje.
Ocupação
Neste passo, a ocupação e uso do território funda-se na existência de uma relação muito peculiar entre territorialidade, ancestralidade e identidade, notadamente manifestada nas práticas cotidianas dos Remanescentes do Quilombo São Roque-Pedra Branca que tem na sua matriz identitária o passado escravocrata e o espaço geográfico com suas adversidades que os acolheu e os protege.
O uso tradicional da terra
O uso tradicional da terra pelos remanescentes do quilombo São Roque-Pedra Branca ocorre há mais de cento e oitenta anos, de forma que prioriza - conservando os conhecimentos e saberes secularmente transmitidos por seus antepassados.
Técnicas de plantio
Com efeito, as técnicas de plantio tradicional utilizadas garantem a manutenção física e cultural. A sociabilidade, desenvolvida entre eles e constantemente resgatadas em época de plantio e colheita das roças, é muito comum. Este costume, definido pela comunidade como pixurus - termo utilizado pelos antepassados - ainda é facilmente perceptível no cotidiano da comunidade.
Medicina popular
O uso da medicina popular em comunidades quilombolas que, influenciada pelas distâncias dos centros urbanos e a proximidade com a natureza, tiveram que recorrer à medicina natural e que, de certa forma, gerou uma relativa autonomia das pessoas que habitam nesses antigos quilombos rurais.
Autonomia
Outrossim, as terras que tradicionalmente encontram-se ocupadas pelos Remanescentes do Quilombo da Comunidade São Roque, permite observar a autonomia com que eles fazem a defesa de seus valores culturais, intrínsecos, tanto no uso e práticas agrícolas no manejo da terra, quanto na convivência entre os membros quilombolas.
A Sobreposição Territorial do Parque Nacional às Terras dos Remanescentes de Quilombo e as Dificuldades de Subsistência.
Sua formação
Os registros apontam que a Comunidade de Remanescentes do Quilombo São Roque-Pedra Branca iniciou a sua formação anteriormente a 1824, com os escravos que fugiam das fazendas e senzalas, em oposição ao regime escravocrata. Desta feita, a comunidade perdura até os dias atuais, por meio dos remanescentes desses escravos que, após a abolição, permaneceram usando e ocupando o território que foi quilombo.
Esta comunidade de remanescentes do quilombo que têm na identidade étnica a história reconstruída a partir de um território, ocupado durante o regime escravocrata, ganha reconhecimento após a promulgação da Constituição de 1988.
Criação de um Parque Nacional
Apesar disto, nota-se que desde a criação e implantação do Parque Nacional Aparados da Serra, os Remanescentes do Quilombo São Roque-Pedra Branca vem sofrendo diversas restrições que importam no cerceamento de seu modo de viver, fazer e agir e que envolve, questões culturais e de subsistência.
Condições de vulnerabilidade
Desta forma, nos últimos anos, acentuam-se as condições de vulnerabilidade dos remanescentes do quilombo São Roque-Pedra Branca, pois, o IBAMA vem aplicando multas e restrições, fundamentando-se na Lei n º 9.985/2000 – SNUC - Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza, que não permite o cultivo das roças pelos remanescentes, tampouco, os quer no interior do território, com o argumento de manter o local preservado desconsiderando que o território já era habitado pelos remanescentes, antes da criação do Parque.
Sobreposição
A sobreposição às terras dos remanescentes configura um despreparo do Estado que, em tese, deveria “olhar” o local antes de criar os parques, porque fora disso, haverá o desaparecimento físico e cultural destes grupos representativos da população brasileira.
Situações delicadas
Os Remanescentes do Quilombo São Roque, nos últimos anos, têm enfrentado situações das mais variadas, na tentativa de continuar usando e ocupando o território em que vivem. Uma das mais difíceis tem sido permanecer cultivando as lavouras para a subsistência alimentar dos membros da comunidade.
As comunidades negras rurais constituíram-se, imprescindivelmente, na resistência à escravidão e, com isso, concentraram a renda principal do plantio, no qual, colhendo a mais, vendem os produtos para efetuar a compra dos alimentos e mantimentos de necessidade primária que não produzem no local.
Instituição de parques e novos desafios
Com a instituição dos Parques Nacionais - Aparados da Serra e Serra Geral, os remanescentes do quilombo São Roque-Pedra Branca foram submetidos à condição de vulnerabilidade, pois, conforme o exposto, as diretrizes que pautaram a criação da legislação infraconstitucional, não abrigam a permanência de qualquer população humana no interior dos parques e, com isso, esses remanescentes passaram a enfrentar uma luta diária de resistência imposta pela norma jurídica excludente. Agora, para permanecer no local em que vivem será necessário reagir contra a norma injusta e a atos que atentem contra a dignidade da pessoa humana.
Territorialidade
O quilombo - territorialidade estão profundamente vinculados aos remanescentes, pois, deu-se por apropriação coletiva de um grupo étnico organizado e não pela mera posse individual. Nesta perspectiva, observa-se que a relação que os membros da comunidade de remanescentes do quilombo São Roque-Pedra Branca têm com a terra que usam e ocupam, reflete diariamente sua história de resistência social, política e econômica, não circunscrita à esfera do direito privado.