Populações tradicionais quilombolas e acesso a terra

Populações Tradicionais Remanescentes de Quilombos 

A formação dos quilombos

Considerando os elementos sociais e históricos que contribuíram para a formação dos quilombos no Brasil, esta unidade tecerá uma abordagem direcionada à efetivação do preceito Constitucional, artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tendo como pano de fundo os “novos direitos”, especificamente os direitos étnicos e culturais de Remanescentes dos Quilombos. 

Um espaço que, no passado, serviu como local de refúgio e liberdade, um território que contribuiu para que os remanescentes do quilombo Pedra Branca se tornassem coesos na identidade étnico-cultural do grupo a que pertencem.

Desta feita, observar-se-á ainda que os Remanescentes do Quilombo de São Roque- Pedra Branca encontram-se classificados como População Tradicional e identificados de igual forma, na previsão constitucional dos “novos” direitos, os direitos étnicos e territoriais que abrigam estas comunidades.



Mapeamentos de Pedra Branca - Comunidade São Roque

Modo de vida

As Populações Tradicionais Remanescentes de Quilombo são grupos humanos que se constituíram historicamente de forma diferenciada sob o ponto de vista cultural, pois mantêm um modo de vida inerente às suas características étnicas, baseadas essencialmente na cooperação social e na ligação intrínseca com a natureza. Deste modo, desenvolveram uma relação de interação e respeito para com os ciclos naturais. 


Ocupação de uso e território

Essas populações tradicionais são classificadas pela forma de ocupação tradicional do território e pelo uso sustentável dos recursos naturais existentes, concentrados basicamente nas atividades agrícolas em que implicam o uso da mão-de-obra familiar e da aplicação dos conhecimentos tradicionais adquiridos por meio da oralidade de seus antepassados.


Conceito de população remanescente

Conceituam-se populações tradicionais remanescentes de quilombos como sendo, na essência, ligados à preservação de valores e tradições cotidianamente reproduzidas nesses antigos quilombos, mantidas, ainda hoje, pelos remanescentes que habitam o local, de forma a tornarem-se sujeitos singulares de uma cultura diferenciada, pois para estes do território que habitam, emerge a identidade étnico-cultural do grupo a que pertencem. 

A formação dos quilombos no Brasil se deve ao fato de que, durante o regime escravocrata, mulheres e homens negros escravizados, na busca por liberdade, fugiam das fazendas e senzalas, agrupavam-se abrigados em locais estratégicos, formando, assim, os quilombos como ato de oposição e resistência ao regime político escravizador. 

Geografia e formação

O quilombo rural Pedra Branca foi formado diante de uma geografia territorial acidentada, um tanto afastado do centro urbano, num território cujo local possibilitou (re) construir a identidade étnico-cultural dos negros escravizados que no passado ali habitaram. 

Os remanescentes desses escravos vivem naquele espaço que seus ancestrais elegeram como território de dignidade e liberdade, representando também ali, a base física em que as questões culturais são manifestadas.  

 Esta comunidade tem no passado comum do grupo a memória dos que resistiram e enfrentaram o sistema institucionalizado do escravismo, formando no território o local de abrigo, ainda hoje, dos remanescentes do quilombo da Pedra Branca.

Liberdade e cativeiros

Observa-se que os quilombos se formavam em meio às constantes tensões na busca pela liberdade e o fim do cativeiro. Os cativos desenvolveram técnicas de combate e estratégias que permitiram, quando possível, enfrentar seus opressores.

Dentre as capacidades desenvolvidas, permitiram um profundo conhecimento dos caminhos alternativos em meio às matas, a ponto de se tornar real a possibilidade de aquilombar-se e de reconquistar a liberdade.

Embates

Os embates travados pelas Comunidades de Remanescentes de Quilombo na defesa de sua sobrevivência motivaram a construção de uma nova consciência. E a (re) organização institucional-legal de si próprio, perante as ameaças extremas sobre seus territórios, tornaram-se os novos objetos de enfrentamentos pós 1988. Pois, neste ordenamento constitucional reconhece-se direitos difusos e coletivos, até então inexistentes na lógica do Estado, embora haja muito presente nas relações cotidianas dos grupos sociais. 

Os Direitos Constitucionais e Infraconstitucionais 

Por dentro da Constituição

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 nasce com o propósito democrático de atender as reivindicações dos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980. Dentre as reivindicações, está a de reconhecer as diferenças étnicas e culturais dos grupos populacionais responsáveis pelo processo civilizatório do Brasil. 

A Magna Carta passa a dispor em seus artigos 215, 216 e, principalmente, no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT/88, os direitos constitucionais que abrigam as populações tradicionais remanescentes dos quilombos. Logo, o artigo 68 da ADCT se expressa determinando que o Estado brasileiro promova o reconhecimento e, por consequência, a titulação das terras em que se encontrem habitadas por remanescentes de quilombos.


Legislação específica

Analisando a legislação específica, observa-se que o tratamento despendido aos remanescentes é de grande relevância, pois enfatiza um cuidado no sentido de proporcionar a celeridade nos atos do Poder Público, no que se refere à concretização do artigo 68 da ADCT/88, procurando, assim, evitar toda e qualquer tendência em desconstituir, retardar ou mesmo impedir a titulação dos territórios quilombolas aos remanescentes ocupantes do local.


Papel da Constituição

Contudo, o fato é que, de forma categórica, tanto a Constituição Federal quanto as normas infraconstitucionais, dão conta de reconhecer a existência de pluralidade cultural e étnica em nosso País. Desta forma, por exemplo, a redação do artigo, 215, § 1º a § 5º da CF/88 que, por meio dele, descreve os deveres do Estado brasileiro para com os participantes do processo emancipatório desta nação. No caso dos afro-brasileiros encontramos os remanescentes de quilombos. (BRASIL, 2005, p. 135/136).


Dificuldades na efetivação

Mesmo diante da vasta legislação e das doutrinas favoráveis à proteção, efetivação e reconhecimento dos saberes tradicionais, intrinsecamente manifesto pelas comunidades de remanescentes de quilombos, efetivar o preceito constitucional do artigo 68 da ADCT/88 em favor destes grupos está longe de se concretizar. 


O artigo 68 e suas inquietudes

Neste contexto, verifica-se que, mesmo com a permanência dos remanescentes de quilombos que se encontram secularmente usando e ocupando as terras onde foi constituído o território de liberdade, indissoluvelmente ligado ao conhecimento tradicional adquirido, por meio da oralidade dos seus antepassados, a titulações dessas terras, conforme preceitua o artigo 68 da ADCT/88, ainda tem um longo percurso para se tornar realidade. Pois com a origem do Estado pluralista, nasce também o Estado ambientalista, com diretrizes que não condizem com a realidade territorial brasileira. Por isso, a norma infraconstitucional foi confeccionada nos moldes americanos em que suas ditadas regras de criação e implantação dos Parques Nacionais, desconsiderando as populações tradicionais habitantes do local, porque se quer o espaço preservado.  

Os Remanescentes de Quilombo e a Preservação Ambiental 

Remanescentes e perspectivas jurídicas

A partir da Constituição de 1988, conforme exposto anteriormente, os Remanescentes de Quilombos passaram a ganhar perspectiva jurídica, deixando de ser ignorados, conforme aponta Marcos dos Santos Marinho (2007, p. 01), ao discorrer sobre a relevância dos conhecimentos tradicionais guardados pelos remanescentes. Em função disso, segundo o autor, numa perspectiva socioambiental, os quilombolas devem ser mantidos junto ao meio ambiente, no local em que no passado foi constituído o seu território.


Resistência e tradições

Os remanescentes de quilombo são populações tradicionais em que a diversidade ambiental que compõem os ecossistemas está diretamente associada à identidade étnico-cultural, reproduzida por estas populações no espaço territorial no qual habitam. Eis que, com estes, estão os saberes tradicionais apreendidos na relação com o meio ambiente e no contexto sócio-histórico de resistência em que se constituíram os quilombos no Brasil. 


Territorialidade e grupo social

Vem o alerta de que, para entender o significado de territorialidade para um grupo social, deveremos entender a relação particular que aquele grupo social mantém com seu respectivo território. É necessário ainda, compreender também os vínculos afetivos que se mantiveram conservados naquele espaço geográfico, pois ali está a história de ocupação guardada na memória coletiva, no uso social dado ao território e nas formas de defesa deste. 


Proteção local

Os remanescentes de quilombo, da mesma forma que protegem historicamente o local, preservam o meio ambiente que compõe o território que habitam, pois para eles o espaço em que vivem não representa apenas a sobrevivência física, mas, sobretudo, a preservação cultural que os diferencia dos outros grupos sociais. 

Autorreconhecimento

Por este fato, o Estado brasileiro deverá adotar todas as medidas possíveis para que sejam preservadas as relações que os remanescentes de quilombolas têm com o território em que habitam por várias gerações. O autorreconhecimento da existência de remanescentes de quilombo na comunidade de São Roque - Pedra Branca iniciou-se formalmente em 2003 com a união e organização de homens e mulheres, descendentes de escravos aquilombados, que guardam na memória coletiva a identidade étnico-cultural vinculada àquele território em que se encontram as reminiscências escravocrata de seus antepassados que ali se aquilombaram, sendo que, após a abolição, estes remanescentes permaneceram usando e habitando o local.  


Os relatórios

Com a confecção do Relatório Técnico Antropológico incorporado ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território - RTID, pertencente à Comunidade de Remanescentes do Quilombo São Roque, o INCRA notificou os confrontantes, ocupantes e remanescentes, bem como aos órgãos federados, incluindo o IBAMA. Neste passo, iniciou-se a contagem do prazo prescricional, do qual o IBAMA, até o momento que se colheu os presentes dados, não havia se manifestado junto à Superintendência Regional. 


Contestação

Ao construir a fundamentação no bojo da contestação, o IBAMA apoia-se em teses não condizentes com o objeto que pretende colocar em discussão, lançando argumentos que não condizem com a realidade da Comunidade, ora discutida, conforme pode ser observada nos trechos transcritos: Padre Raulino Reitz [...] autor, que além de padre, demonstra claramente ser uma pessoa extremamente culta, com amplos conhecimentos históricos na região (1730), em especial da área que hoje compreende os Parques[...] Sombrio não conheceu o senhor de engenho, abastado e poderoso, rodeado da turba de sesmeiros instalado em torno de si, e com senzalas repletas de escravos [...]. 


Implantação do parque

Desde a criação e implantação do Parque, os remanescentes têm enfrentado condições de vulnerabilidade, pois o IBAMA, ousadamente, construiu o posto de fiscalização sobre o território em frente à residência de uma família de remanescentes. E, desta forma, vem constrangendo-os constantemente, impondo, mesmo que de forma simbólica, o braço fiscalizador do Estado.


Posto de fiscalização

O posto de fiscalização do IBAMA simboliza para os Remanescentes do Quilombo São Roque o retorno do escravismo, pois ele é uma construção robusta de alvenaria, colocando-se de forma imponente e cerceador da liberdade de plantio e de manifestações culturais dos remanescentes. Diferentemente das habitações dos remanescentes que é feita de madeira, de partes singelas, se comparadas à estrutura do Estado.